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Publicado em outubro 31st, 2017 | por Emmanuel Deodato

Imersão BG: Great Western Trail e a vida de cowboy

Fala galera! Neste novo episódio da coluna Imersão BG, prepare-se para explorar a vida de um rancheiro no Século 19. Viva agitadas viagens do Texas até o Kansas City, no excelente jogo Great Western Trail do designer Alexander Pfister. Ele foi lançado aqui neste ano, pela Conclave Editora. Você deve se equilibrar entre seus funcionários (vaqueiros, artífices e engenheiros) e desenvolver sua estratégia até a entrega do seu rebanho. Tudo isso, usando construções, investindo em gado ou até mesmo avançando com seu trem.

A importância dos rancheiros e do gado na história norte americana

Vaqueiros conduzindo gado

O jogo se apoia em uma premissa muito simples, porém rica: a história da indústria pecuária nos Estados Unidos. Se hoje existe facilidade para exercer essa atividade, o mesmo não poderia ser dito no Século 19. O jogo não te colocará como um cowboy com duas pistolas, mas na forma de um rancheiro. Você será o dono de uma fazenda que precisa entregar seu gado e fazer dinheiro com essas vendas.

O transporte de gado foi uma das principais atividades no oeste americano durante o Século 19. Cerca de 20 milhões de cabeças foram conduzidas do estado do Texas até as estradas de ferro no estado do Kansas. Essa viagem tem mais de mil quilômetros de distância. Foi dessa grande relevância que nasceu a figura do cowboy, posteriormente idolatrada pelos filmes.

Aqui uma primeira curiosidade e dúvida que possa surgir: no jogo a primeira cidade de entrega é Kansas City, mas qual delas? Na verdade existem duas cidades com esse nome e são vizinhas. Uma se localiza no estado do Kansas e a outra no Missouri. Como a história aponta, o designer provavelmente se refere no jogo à cidade Kansas City localizada no Kansas, pela importância do estado na história da pecuária e da condução de gado.

A explosão da pecuária

Conduzir o gado era uma luta constante

Após o fim da Guerra Civil, os estados do Sul se enfraqueceram e viram sua economia despencar. Ao mesmo tempo, no Norte o consumo de carne e derivados cresceu exponencialmente.

A saída produtiva para ambos foi aumentar o comércio e o transporte de animais (no caso do jogo, gado). Assim, o Sul reiniciou seu fortalecimento se baseando na pecuária, impulsionando a expansão territorial dos Estados Unidos.

As rotas de gado começaram a se tornar cada vez mais populares, levando ao surgimento das chamadas cattle townsForam cidades que nasceram para atender aos rancheiros e seus empregados. No tabuleiro do jogo podemos citar Wichita, no Kansas.

Nessas cidades o consumo de bebidas era alto, além da existência de inúmeras casas de jogos e bordéis. Com esse tempero, as cattle towns eram conhecidas como cidades violentas, com alta taxa de mortalidade. Por esses acontecimentos, foi necessária a criação de uma figura que posteriormente se tornaria histórica, o xerife da cidade. Assim como os cowboys, foi outro personagem bastante explorado na indústria cinematográfica.

A vida de um rancheiro – vaqueiros, artífices e engenheiros

 

Um vaqueiro imaginando quantos pontos ele faria no Great Western Trail

Primeiramente, o jogador que desconhece o jogo pode se interessar por um bom motivo: o desejo de ser um cowboy. Entretanto, esta não é a premissa do jogo (mas não guarde seu chapéu ainda).

Em Great Western Trail nos tornamos parte da história como rancheiros, donos de propriedades que, basicamente, investiam na criação de animais. No jogo, nosso rancho é focado em gado.

Para nos auxiliar nessa tarefa, podemos contar com três tipos de trabalhadores que fornecem ações e bônus diferentes: vaqueiros, artífices e engenheiros. Logicamente que nos ranchos do século 19, não se encontraria um engenheiro (poderia ser maquinista?) que conduziria o trem conforme a vontade de um único rancheiro. Também, dificilmente cada rancheiro teria seu próprio trem (sutilezas para uma jogabilidade melhor).

No jogo, o vaqueiro nos permite comprar cartas de gado de maneira mais eficiente, mais barata. Isso se reflete de forma lógica na história, pois, com mais vaqueiros disponíveis em um rancho, mais gado será conduzido para a venda. Importante dizer que nessa época cada jornada conduzia, em média, mais de 1.000 cabeças (aposto que agora você vai investir mais no cowboy não?).

Enquanto isso, o artífice (cujo significado é aquele que trabalha de forma específica com alguma atividade manual) permite ao jogador construir mais e melhores estruturas. Outra ligação coesa do designer, pois, naquela época dificilmente haviam excedentes de trabalhadores para serem contratados temporariamente. Além disso, o rancheiro necessitava ter construtores hábeis (para tarefas básicas ou extraordinárias). Aqui também uma referência à criação das cattle towns, pois são justamente esses construtores que começam a espalhar estruturas ao longo dos caminhos.

Por final, o engenheiro (engineer em inglês pode ser traduzido como engenheiro ou maquinista, então chamo-o assim) ou maquinista. Ele permite ao jogador acelerar o caminho do seu trem na ferrovia, permitindo entregar o gado sem pagar custos adicionais (os famosos “x” vermelhos).

A origem do nome Great Western Trail

As principais trilhas, caminhos para a condução do gado no Século 19

A escolha do nome não foi aleatória e aqui outro ponto para o designer. Como os caminhos que levavam às principais cidades eram perigosos (além dos perigos naturais ainda existiam nativos enfurecidos, ladrões de gado) traçar as melhores rotas era essencial para o sucesso da missão. Assim, nasceram as principais trilhas, rotas para condução de gado.

Conforme pode-se ver na imagem anterior, Great Western Cattle Trail (nome completo da trilha) foi uma das principais rotas para o transporte de gado. Outra rota bastante famosa e nas mesmas proporções foi a Chisholm Trail.

Assim, a produção do jogo e seu designer já proporcionam uma imersão. Desde a abertura da caixa, você vai explorar um dos principais caminhos para o transporte de gado na época.

O caminho do trem: as cidades para entrega

O mapa da rota realizada pelo trem no jogo

Se o designer teve o cuidado de interagir com o jogador desde a escolha do nome do jogo, é claro que os demais componentes não seriam aleatórios.

Começamos, por exemplo, pelas cidades nas quais você pode entregar seu gado. São elas: Kansas City, Topeka, Wichita, Colorado Springs, Santa Fé, Albuquerque, El Paso, San Diego, Sacramento e San Francisco. Todas as cidades eram pontos de referência no século 19 para a entrega de gado. As iniciais eram pontos de partida para o trem que rumava para o oeste.

Todas essas cidades foram colocadas como ponto de passagem no google maps, gerando o mapa com a rota observada acima. Como já citamos, essas cidades são tão relevantes que Wichita foi fundada, inicialmente, como uma cattle town.

Ou seja, toda a rota de entrega que o jogador pode trilhar, faz sentido. Mais do que isso: é histórica e geograficamente precisa (basta olhar para o mapa acima).

Antes da entrega: o desafiador caminho

O maior perigo do caminho seria os nativos ou os pedágios?

Se a entrega final do gado era realizada via trem (assim como no jogo) os caminhos iniciais eram todos ao ar livre (a cavalo). Mesmo utilizando as trilhas conhecidas, os perigos sempre estariam rondando um rancheiro, ou seu vaqueiro condutor.

No tabuleiro do jogo podemos notar várias referências às dificuldades enfrentadas. Temos os perigos, que são divididos em: inundaçãoseca e desmoronamento. As travessias de rios eram sempre perigosas. Com a grande quantidade de gado que era levada, qualquer problema no rio poderia significar a perda de inúmeros pontos, digo animais.

Ainda, a região do Texas é delimitada por regiões de deserto e montanhas, tornando o caminho sempre inesperado. Um desmoronamento poderia fechar uma rota, uma debandada de gado no deserto poderia significar a morte.

O jogo também reflete a tensão vivida à época junto aos nativos, representados por cabanas azuis cabanas verdes. Não apenas o comércio era dificultoso, como ainda existiam tribos indígenas mais agressivas, sempre existindo o risco de conflito. Tudo isso somado à rivalidade dos outros rancheiros: quem contratará mais trabalhadores? Quem entregará primeiro?

Transportar gado nessa época não era uma tarefa fácil, nem mesmo cercada de beleza como nos filmes. Imagine-se viajar por quase três meses transportando gado, com todas essas tensões, o sol, a escassez de água: um cenário nada agradável.

Considerações finais: um jogo profundo e divertido

Muitos caminhos históricos para a vitória

Impossível acrescentar algum comentário a esse jogo. Um dos melhores do ano, no alto dos principais rankings e extremamente divertido. Mas o jogo vai além. Alexander Pfister pega um tema batido e comum (o Oeste americano) e tira de lá um fato histórico relevante, importante e transforma isso em um ótimo jogo de tabuleiro.

As ações no jogo interagem com a história e ao mesmo tempo contam sobre ela. Saia do clichê de cowboy! Somos rancheiros, cheios de dilemas, preocupações, negócios e frustrações.

A interação entre os jogadores é muito parecido com a da época: estamos em uma corrida. Se o jogador para em uma ou várias construções, se usa mais ou menos seus trabalhadores, tudo isso vai pintando esse cenário de disparada.

Os perigos são muitos, mas se os superar, poderá dominá-los (ainda ganhando pontos ao final). Os nativos estão ali, esperando. Faça comércio no momento certo e lucre ou, deixe o momento passar e pague.

As cidades, mais do que pontos de vitória, concedem referências, imagens históricas dessa grande aventura que era a entrega de gado. O jogo é cíclico, ao final do tabuleiro você retorna para uma nova entrega e, assim também era a vida do rancheiro.

Great Western Trail tem tudo que um grande clássico precisa e muito mais.

Espero que tenham gostado deste novo imersão e, nos vemos na próxima terça-feira.

E para a próxima semana, vou deixar uma reflexão. Já ouvi falar de futuro distópico, mas de passado distópico não muito. Pressinto que isso vai acabar em guerra e foice. ;)

Sugestões ou críticas são sempre bem vindas. Abraços!

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