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Publicado em fevereiro 14th, 2018 | por Emmanuel Deodato

Imersão BG: Precisamos falar de Mombasa?

Fala galera! Hoje iremos falar de um dos meus jogos preferidos, com muitas ações, marcação e economia! Estamos falando de Mombasa, jogo do designer mais querido do momento Alexander Pfister, lançado aqui pela Meeple BR Jogos.

Primeiramente um aviso aos navegantes: nossa coluna nunca explorou polêmicas, ou controvérsias acima do que se propõe. O objetivo é falar sobre o pano de fundo dos jogos de tabuleiro. Assim, se você espera por qualquer situação dessas, eu desencorajo a leitura. Pare aqui e vá ler tantos outros textos polêmicos que temos na internet e na própria Ludopedia.

Com certeza se faz necessário um conhecimento aprofundado e uma reflexão social séria sobre a escravidão e a colonização destrutiva na África. Mas, nem o jogo e nem este texto se colocam com esse intuito. A profundidade do tema exige algo muito maior que um jogo de tabuleiro.

Aqui vamos conhecer mais sobre as Companhias de Comércio e suas funções no expansionismo colonial. Suas vertentes econômicas, exploradoras e porque não, problemáticas? Vamos até dar um pitaco sobre a escolha do tema e a forma como o designer o inseriu.

Companhias de Comércio: origem e história

Pode-se dizer que as Companhias de Comércio foram as primeiras “multinacionais”. Créditos Aventuras na História

As Companhias de Comércio (ou Companhias Majestáticas, ou Companhia de Privilégio, ou Companhias de Cartas – em inglês Chartered Company) foram companhias privadas que possuíam poderes especiais fornecidos por um governo, que dava a elas privilégios comerciais. Tais Companhias foram importantes na expansão colonial europeia e geralmente possuíam o monopólio em determinada área de atuação comercial.

Exploravam e colonizavam (aqui das maneiras mais terríveis já conhecidas) os territórios coloniais em nome do governo concedente. Também recebiam lucro em troca da atividade.

Dentre os poderes fornecidos às Companhias podemos citar alguns. Trocas comerciais com os mandatários dos países explorados, formar bancos, ter e gerir (inclusive a venda) de terras e ter sua própria administração interna. Tudo isso, com exercício de poder policial, negocial e administrativo.

Dentro dessas aptidões concedidas, incluía-se o monopólio, ou ao menos a participação, do comércio escravista. Companhias como a Royal African Company, era a detentora do monopólio do comércio de escravos na costa oeste da África. Isso entre 1672 e 1698.

Algumas Companhias possuíam inclusive, poderio militar e de navegação, como a Companhia Holandesa das Índias Ocidentais. Ela invadiu as terras no nordeste brasileiro no século XVII, como visto nas aulas de história.

As Companhias de Comércio na África: muita exploração e poucos pontos de vitória

Com o mote de crescimento, desenvolvimento e expansão, as Companhias adentravam nos territórios a serem explorados. E logo, eram transformados em colônias. Na África a história não foi diferente.

Desde o século XV, diversas Companhias se instalaram e exploraram o território africano, enquanto se fortaleciam economicamente. Sendo um ponto de expansionismo importante (por suas riquezas e mão de obra), o continente africano foi sendo destrinchado século após século.

Com o propósito de colonizar, administrar e explorar os últimos redutos “virgens” do continente, criou-se o período que ficaria conhecido como a Partilha da África.

Foi um período entre 1880 e 1914, no qual se proliferou no continente, inúmeros conflitos dentro das Companhias e das explorações europeias. Tentando mediar esses conflitos, ocorreu a chamada Conferência de Berlim (1884-1885). Ela buscava por uma divisão equânime do território africano, entre os países europeus e suas Companhias de Comércio. Essa disputa ensandecida pela exploração da África é nomeada como uma das causas da Primeira Guerra Mundial.

Aquela leve pincelada na história das Companhias

A sede da East India Company, talvez uma das maiores Companhias

Com uma exploração existente desde aproximadamente 1340 e perdurando após 1900, as Companhias foram responsáveis por instalar no continente africano inúmeros projetos. Como ferrovias e portos, ao custo de séculos de escravidão e exploração desenfreada de recursos.

Inicialmente com maior força da Espanha e Portugal, as Companhias foram sendo instaladas e iniciaram suas atuações ao longo das descobertas europeias. As Ilhas Canárias viram o primeiro traço europeu com a chegada dos espanhóis, por volta de 1330.

Após 1500, a exploração se tornou objeto de interesse de outras nações europeias. Isso pode ser percebido em nossa história. Inicialmente sob o domínio único português, o Brasil sofreu invasões de países como França e Holanda.

Assim, a expansão e criação das Companhias teve seu grande salto a partir de 1600. Como a criação da Companhia das Índias Orientais (no citado ano) e a criação da Companhia Holandesa das Índias Ocidentais (em 1621).

De tal forma, a história da África foi marcada e pontuada pela presença constante, de não apenas exploradores e comerciantes, mas Companhias estruturadas para a exploração.

Tem-se como a última Companhia atuante no continente africano, a Companhia de Moçambique, fundada em 1891. Ela atuou na fundação do país de mesmo nome em sua colonização e no ano de 1942, passou para o controle do governo.

Como interpretar a história dentro de um jogo de tabuleiro?

Um jogador querendo se divertir e o outro querendo explorar os horizontes ocultos das intenções do designer. Sim, tão complexo quanto o que escrevi

Sem dúvida a história africana é marcada pela exploração constante da população. Aqui, incluindo a vertente econômica, cultural e a escravidão.

Todo estudo e debate sociológico que possa surgir dessa situação são proveitosos e de grande importância. Mas a dúvida é: isso é necessário dentro de um jogo de tabuleiro?

Já vi pessoas dizendo que não jogaram o jogo por seu tema obscuro, triste e desrespeitoso. Mas esse aprofundamento dentro de algo não pensado para tal, é forçoso e acaba criando um abismo sem fim.

Essa hermenêutica expansionista pessoal, ou seja, essa análise além do que realmente quis ser transmitido, gera inúmeras observações e análises. Estas, mesmo verdadeiras e necessárias, se tornam contraproducentes no ambiente errado.

Mombasa não se propõe ao estudo das raízes culturais e sociais da África, nem à discussão da exploração viciosa que assolou o continente. Ele apenas quer ser um jogo com temática econômica, dentro de um universo fictício imaginado pelo designer.

Talvez, o grande erro seja justamente se colocar como um médium distante. Não se aprofunda o tema a ponto de encará-lo de frente e não se distância o suficiente para não parecer histórico. Essa sensação é transparecida no aviso do designer em destaque na capa do manual.

Ter imersão é justamente o equilíbrio entre real e imaginário. Eu não preciso buscar a explicação científica para a existência ou não de elfos e hobbits para gostar do Senhor dos Anéis. Mas, é a facilidade em saber de sua abstração que me auxilia nesse processo.

Mombasa: longe das controvérsias, um jogo com sua imersão

Crescimento e gerenciamento eficientes, uma necessidade em Mombasa. Créditos Shutupandsitdown

Mombasa tem em sua mecânica e interação os contornos de um jogo abstrato. Talvez esse viés tivesse sido melhor desempenhado em um tema menos conturbado ou, em um tema vividamente explorado.

Mas o jogo cumpre o que promete. Um gerenciamento econômico e de expansão territorial, dentro do imaginário de quatro companhias, das quais somos acionistas.

É irritante quando na última rodada a Companhia que você mais possui ações é destroçada do território e o valor final de cada ação é reduzido à 2 moedas. Sim, minha patroa já me fez sentir esse gosto amargo.

Por outro lado, o jogador se sente em constante crescimento junto das Companhias. Pois ele adquire bônus diversos ao longo das trilhas, conforme fortalece com suas jogadas cada uma delas.

As Companhias possuem nomes de países ou cidades africanas, e os produtos são típicos da época da colonização. Tudo bem amarrado a um tabuleiro individual que nos faz explorar as minas de diamante, enquanto administramos a contabilidade de nosso investidor.

Dentro desse meio termo que o tema do jogo transparece, sua imersão é rica e bem delineada. Talvez um tema menos ligado à história trouxesse uma rejeição menor e uma imersão maior como um todo.

Considerações finais. Pouca profundidade de tema, mas com grande profundidade de jogo

Aquele sprint final para atrapalhar a vida de todo mundo. Créditos Shutupandsitdown

Mombasa é um dos meus jogos favoritos e isso acontece com outros jogadores. É um jogo rico em ações (ba dum ts), com uma complexidade desafiadora e mecânicas bem amarradas.

Mas, Alexander Pfister cometeu um deslize na temática de seu jogo. Ainda que um board game não seja o espaço adequado para qualquer discussão social, utilizar-se do tema da Partilha da África. Isso inclui a exploração africana pelas Companhias de Comércio e não se aprofundar nas marcas disso tudo, é dar margem ao debate.

Esse posicionamento do tema dentro do jogo (nem próximo o suficiente para ser instigador, nem longe o suficiente para deixar de ser verídico) nos coloca em uma condição de pensamento simples: não caberia outro tema?

É preciso separar o jogo da real profundidade de seu tema

Independente de qualquer crítica a essa reflexão, Mombasa é um jogo excepcional que deve ser jogado por muito tempo. Merece um lugar na mesa.

Que o seu tema (ou ausência desse tema) seja suficiente para instigar em nós a busca por mais informações, compartilhar conhecimento e propor debates, no ambiente correto.

Imersão BG

Muito obrigado pela leitura e os comentários de todos! Que nossa busca por uma imersão maior possa nos levar, às vezes, a criticar ou apontar falhas no tema, sem elogiar o sentimento dentro do jogo.

Na próxima semana outra a Terra da Rainha nos espera em uma grande reconstrução!

Abraços!

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