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Publicado em abril 3rd, 2018 | por Emmanuel Deodato

Imersão BG: um fado na reconstrução de Lisboa

Achou que não ia ter Imersão BG do Lisboa? Achou errado otário. Começando mais uma coluna, com esse grande jogo de Vital Lacerda.

Sim, Lisboa, do aclamado designer Vital Lacerda. Ele foi lançado aqui (com alguns probleminhas, sim, eu ainda não te perdoei por tirar a terceira camada) pela Mandala Jogos.

Talvez um dos jogos mais imersivos lançados recentemente, com pontuações históricas e mecânicas no manual. Ali vamos tentar explorar e complementar todo o excelente trabalho do designer.

Quer entender o que dá misturar um terremoto destruidor com tsunami e incêndio? Ou como foi a recuperação desse cataclismo lisboeta? Segue na poltrona, lendo esta coluna que te enche de cultura e assuntos para o almoço com a família.

Lisboa: um dia qualquer até um tremendo terremoto

Lisboa

A destruição causada pelo sismo. Créditos Ensina RTP

Na manhã de 1º de novembro de 1755, Dia de Todos os Santos, Lisboa iniciava as festividades e eventos para a celebração do citado dia. Apresentava-se uma manhã comum, na cidade que na época possuía aproximadamente 200 mil habitantes.

Nesse cenário de inúmeras pessoas nas ruas e nas igrejas, a cidade foi atingida por um terremoto devastador. Com epicentro no mar, provavelmente ao sudoeste de Lisboa, o sismo atingiu durante 7 minutos ininterruptos a cidade.

Para alguns pesquisadores, os abalos totais podem ter chegado aos 15 minutos, com algumas pausas. A destruição foi proporcional à força: entre 8,5 a 9,0 na escala Richter. Aponta-se que esse terremoto tenha sido mais forte do que o ocorrido no Japão, em 2011.

Com os relatos da época foi possível apontar que as ondas de destruição foram intensas e atingiram inúmeras igrejas. Isso causou várias mortes por soterramento. Com as ruas cheias de pessoas desesperadas, a melhor ação foi procurar abrigo na zona portuária (com poucos edifícios).

Nesse momento observaram o recuo do mar, revelando parte de seu fundo com barcos destruídos. Uma nova catástrofe se aproximava.

Não bastasse um terremoto, veio um tsunami

Lisboa

Gravura da época que demonstra os barcos coexistindo com as construções. Créditos Huffington Post

Após aproximadamente 25 minutos do início da destruição sísmica outra catástrofe atingiu Lisboa. Com o epicentro do terremoto localizado no mar, sua força produziu um enorme tsunami. Com ondas que beiraram os 30 metros de altura, as águas invadiram a cidade. Levando consigo barcos, construções e inúmeras pessoas que se abrigavam na zona portuária.

Esse tsunami gerou impactos na África, no Brasil e na costa dos Estados Unidos, demonstrando toda a sua intensidade. Diversos maremotos foram sentidos ao redor do mundo.

Com esse cataclismo que parecia não ter fim, Lisboa fora atingida por diversos desastres. O que não foi destruído pelo terremoto ou pelo maremoto, acabou sendo consumido pelo fogo.

Três catástrofes juntas: um grande incêndio atinge Lisboa

Lisboa

Desgraça pouca é bobagem, a cidade é atingida por um grande incêndio. Créditos ElMundo

Como se a cidade já não houvesse sido castigada suficientemente, após o ataque do terremoto e do tsunami, havia mais. O pânico nas ruas acabou por fazer nascer um novo problema: um perigoso incêndio. Aponta-se que as lareiras presentes nas cozinhas destruídas, bem como o número excessivo de velas (pela celebração) possibilitaram essa nova etapa de destruição.

Em desespero e sem capacidade de responder aos desastres, a cidade viu o incêndio crescer e tomar proporções arrasadoras. Edifícios que não haviam sido danificados pelo terremoto, ou até mesmo, pouco danificados, acabaram consumidos pelas chamas.

A Casa da Ópera que resistiu aos efeitos anteriores foi destruída pelo fogo. Nesse cenário, o Hospital Real de Todos os Santos também foi consumido pelo fogo. O que levou à morte de várias pessoas e pacientes.

Estima-se que os incêndios duraram cinco dias, destruindo inúmeros edifícios. Para sacramentar todos os problemas, a cidade passou a sofrer com saques e pilhagens. Mas, elas respondidas com o enforcamento imediato dos infratores.

Mortos, ruínas e a necessidade de reconstrução

Lisboa

Convento do Carmo, uma das estruturas destruídas pelo desastre. Créditos LisbonLux

Com população aproximada de 200 mil pessoas, Lisboa se viu cercada por dias de destruição. A estimativa é que 10 mil pessoas morreram diretamente ligadas aos desastres. Outras 40 mil morreram de causas indiretamente ligadas.

É referenciado que 85% das construções de Lisboa tenham sido afetadas pelos desastres. Tendo sua destruição parcial ou total como consequência. A zona da Baixa foi a mais atingida, restando praticamente destroços em sua área.

O Rei D. José I escapou da calamidade, pois se encontrava em uma cidade próxima. Escapou também o Marquês de Pombal, Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra. Ele se tornaria o primeiro-ministro português.

Inicialmente, era necessário cuidar do grande número de cadáveres. Os métodos escolhidos incluíram: queimar os corpos, enterrar em covas comuns e jogá-los com peso no Rio Tejo.

O medo após a catástrofe era de que uma praga espalhasse, afetando os sobreviventes. Assim, a grande maioria dos corpos teve destino rápido e sem os rituais religiosos comuns à época.

O Marquês de Pombal reorganizou a população para formar equipes de bombeiros para combater os focos de incêndio. Criou também equipes de três integrantes: um juiz, um padre e um carrasco. Essas equipes cuidavam de dar fim aos saqueadores, que eram apanhados, julgados e executados rapidamente e no próprio local.

Sua rápida e enérgica atuação foram decisivas para uma retomada positiva na destruída Lisboa.

Lisboa em construção

Lisboa

Rua Augusta, na nova zona da Baixa. Créditos Dicas de Lisboa

Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, não apenas realizou medidas contingenciais mas iniciou o processo de reconstrução da cidade.

As suas ações rápidas e sua condução com mão de ferro, possibilitou que não fossem detectadas epidemias em Lisboa. Aproximadamente um ano após o desastre, a cidade já contava com um avanço visível e funcional.

A cidade de feições medievais, construções próximas e ruas apertadas daria lugar a outra. Esta possuía avenidas amplas, com construções espaçadas e uma revitalização de parques e praças.

Pensando em evitar novas destruições por um abalo sísmico, as construções foram pensadas para minimizar tais atos. Utilizando-se das chamadas gaiolas pombalinas (citadas e explicadas no manual do jogo) as construções eram testadas por vários soldados que marchavam para simular os tremores.

O engenheiro-mor do reino, Manuel da Maia, apresentou alguns planos para a reconstrução. Tendo sido escolhido um desses planos, indicou a planta de Eugénio dos Santos para ser seguida. Após a morte do arquiteto Santos, Carlos Mardel o substituiu.

O novo projeto reestruturou o tamanho das ruas, deixando-as mais largas e espaçosas. Modificou a rede de esgotos, aumentando seu tamanho e capacidade. Alterou as fachadas e as estruturas dos edifícios.

Houve um grande choque social após o desastre, entre o Marquês de Pombal e a igreja. Houve inclusive uma ideia de que a falta de religiosidade do Marquês fosse a causa divina do terremoto à época. Além de tais implicações, a filosofia iluminista viu nascer no desastre grandes inspirações para seus escritos. Tudo isso caberia em um novo texto facilmente.

A cidade se revitalizou e a zona da Baixa é hoje um dos grandes pontos turísticos, em beleza e história.

Lisboa: um jovem clássico

Lisboa

O belíssimo tabuleiro e suas inúmeras informações. Créditos BoardGameQuest

Muito difícil achar algo a mais para expor, falar de tudo que já consta no manual do jogo. Se o problema era imersão, aqui ela sobra.

Lacerda fez um trabalho fantástico ao amarrar as principais ações do jogo (os nobres). Tudo com explicações históricas e fundadas nas consequências do desastre.

Cada ação possui um significado não apenas mecânico, mas histórico. O jogo passa não apenas como uma busca por perucas e vitória, mas um cenário de reconstrução de uma cidade.

A arte do jogo complementa toda a ideia de beleza e desastre, trazendo rachaduras e danos nas imagens. A sensação de crescimento do jogador vai sendo criada com a sensação de crescimento da própria cidade. A forma como se influencia os nobres nas ações é um retrato interessantíssimo da época.

Não se pode negar que Lisboa é um prato cheio para o bom bate papo, para os almoços com o avô e as conversas de elevador. Já me imagino entrando no elevador e dizendo: “você sabia que o Marquês de Pombal foi mais importante para a reconstrução lisboeta do que o próprio rei?”. Com certeza teremos assunto para os próximos 16 andares.

Considerações finais: Lisboa um arremate de complexidade e elegância

Lisboa

Não à toa a figura do Marquês está no centro. Créditos BoardGameQuest

Lisboa, mesmo com os problemas de produção apresentados, é um clássico jovem. Logicamente não é um jogo para todas as pessoas. Ele possui complexidade fora do comum, variáveis intensas e tempo de jogo longo. Mas é preciso dar uma chance, mesmo que você não goste muito dessas qualidades.

A arte é incrível e complementa de forma interessante a imersão do jogo. Ela faz com que as mecânicas estejam sempre interagindo com a história. Com toda certeza sua complexidade é parte de tudo isso. O melhor de tudo: não passa a ideia de ser desnecessária, afinal, é um Vital Lacerda.

Se a patroa se perde em como ganhar perucas, você pode investir nas construções. Depois uma inauguração bem feita pelo rei pontue as construções alheias e tudo fica bem. Que rei bastante oportunista!

Um jogo incrível, com uma história e uma imersão gigantes, implementadas em um tabuleiro complexo, belo e desafiador.

Imersão BG

Ficamos por aqui com mais uma coluna. Obrigado ao pessoal que sempre lê e comenta. Que essa cultura simples e divertida possa coexistir sempre com nosso mundo corrido.

Na próxima semana nossa coluna prossegue o passeio em Portugal, buscando a história de um dos mais famosos ícones do país.

Abraços!

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