Publicado em novembro 7th, 2017 | por Emmanuel Deodato
Imersão BG: os mechas do passado em Scythe
Fala galera! Hoje vamos voltar no tempo na Europa Oriental, para um passado de batalhas, miséria e dificuldades. Mas, tudo isso regado a Mechas gigantes e líderes únicos. Bem vindo ao mundo de Scythe, do designer Jamey Stegmaier, da Stonemaier Games.
Neste cenário, reimaginado pelo artista polonês Jakub Rozalski, devemos controlar uma facção em busca de crescimento econômico, expansão territorial, afirmação militar e o domínio da área abandonada conhecida como A Fábrica. Tudo isso em um clima de tensão, ataques e robôs gigantes. Para ilustrar esse Imersão BG utilizamos vários desenhos feitos pelo artista citado e, todos os créditos são do mesmo.
A base histórica de Scythe: a guerra Polaco-Soviética
A base histórica do ilustrador Jakub Rozalski e, consequentemente, de Scythe é a guerra entre Polônia e União Soviética, ocorrida entre 1919-1921. Após o fim da Primeira Guerra Mundial, a Polônia (que vinha de mais de um século sendo dominada por Alemanha e Rússia) percebe a possibilidade de renascer como um Estado independente. Assim, ela retoma sua autonomia nacional e desse sentimento, surge a Segunda República da Polônia.
A Rússia não recebe bem essa tentativa de autonomia polonesa. Juntamente com a ideia de expansão da política socialista, inicia a busca pelo controle do país.
Para alguns historiadores a guerra partiu mais de conflitos casuais e pontuais, do que planejamento de invasão, de batalha. Fato é que iniciou-se em 1919 este conflito pela autonomia da Polônia.
Polônia vitoriosa e a Batalha de Varsóvia
Durante os anos que seguiram a guerra polaco-soviética (também chamada de guerra polonesa-soviética) o exército Polonês sofreu diversos contratempos. Depois de muitas derrotas, foi sendo arrastado para a cidade de Varsóvia. Tudo isso dentro de um caldeirão de nacionalidades e disputas. Na mesma época, a Ucrânia lutava contra o domínio russo, bem como outros países.
Entretanto, o cenário se modificou em agosto de 1920, quando o exército polonês conseguiu segurar o avanço russo e expulsar o exército rival. Esse cenário ficou conhecido como a Batalha de Varsóvia, que marcou a virada polonesa na guerra.
Essa famosa batalha também é conhecida na Polônia como o Milagre do Vístula. Sendo este, um rio próximo à Varsóvia no qual o entrincheirado exército polonês conseguiu uma vitória chave nesta virada.
Hoje já se sabe que o trabalho de decifrar a comunicação russa por parte de engenheiros poloneses, foi primordial para a vitória.
Polônia e o pós-guerra
Após a reviravolta e o Milagre do Vístula, a Rússia não conseguiu se reestruturar na guerra e acabou por aceitar a vitória polonesa. Tudo isso resultou no Tratado de Riga, assinado pela Rússia, no qual se reconhecia a independência polonesa.
As fronteiras polonesas atingiram suas maiores marcas e a força nacional fora restaurada. Apenas a tentativa de auxiliar a Ucrânia falhou, tendo essa sido dominada pelos russos.
Essa vitória seria mitigada após a Segunda Guerra Mundial quando a Polônia sofreria o domínio da União Soviética, se libertando apenas no ano de 1989.
A base artística de Scythe: a Polônia, a Guerra e o Artista
Se a base histórica já fora explicada, precisamos avançar um pouco no tempo e atingir a “real” motivação por trás do designer Jamey Stegmaier. Foi a coleção de trabalhos do artista Jakub Rozalski denominada 1920+.
Nessa coleção, o artista trabalha com o cenário já explicado: a Polônia pós Primeira Guerra Mundial durante a guerra polaco-soviética. Mas, inclui neste cenário grandes e poderosos robôs, denominado mechas.
O incrível do trabalho de Jakub Rozalski é a forma como ele inclui os mechas, não em um cenário futurista, mas, em uma vida bucólica, repleta de campos e natureza. Foi justamente essa interação tão natural que chamou a atenção do designer.
Scythe nasceu das ilustrações de um artista, não diretamente da fonte histórica (que era o pano básico das obras). Aqui, o trabalho de imagens nasceu primeiro do que o board game.
1920+
Se a inspiração para o artista e posteriormente ilustrador do jogo fora a guerra polaco-soviética, o pano de fundo foi adquirido de sua vivência, sua infância.
Jakub já se declarou admirador de robôs gigantes e por isso, acreditou que a combinação seria perfeita. Essa mistura de mechas em um dos conflitos mais importantes da Europa, em uma época remota, se mostrou extremamente positiva.
Sem deixar o patriotismo de lado, o ilustrador explica que a paisagem de suas pinturas surgiu da cidade em que nasceu e cresceu na Polônia (Szczecin). É um lugar cercado por florestas, vegetação e muita natureza. A saudade de casa foi retratada nos trabalhos e encaixam perfeitamente. Ter um mecha gigantesco, próximo a fazendeiros em uma cena de campo, é esplendoroso!
Para dar esse ar de passado, mas sem perder o efeito noir, o artista se utiliza de cores com tons frios, dando um ar de mistério às cenas.
Wojtek, o urso que realmente existiu
A facção República da Polônia (Polania Republic no original) possui como seus heróis a dupla Anna & Wojtek. As ilustrações desse simpático urso são encontradas aos montes na obra de Jakub Rozalski, assim como no jogo. O que poucos sabem é que a inspiração para o personagem é real.
Sim, existiu um verdadeiro urso Wojtek e sua participação na Segunda Guerra Mundial foi motivo de homenagens. Conta a história que Wojtek foi encontrado ainda filhote e vendido ao exército Polonês. Mais precisamente à 22ª Companhia (posteriormente 22ª Companhia de Transportes).
O urso foi criado pelo exército e era considerado parte da companhia, sendo tratado como um “soldado”. Wojtek era dócil e adorava cerveja. Sim! Cerveja mesmo, além de cigarros. Praticamente um homem comum.
Durante a Batalha de Monte Cassino (uma das principais da Segunda Guerra Mundial) Wojtek trabalhou transportando munição para a frente de batalha. Segundo fatos da época, nunca derrubou nenhuma caixa. Após sua participação na batalha, a popularidade do ursinho cresceu, sendo homenageado no emblema oficial da 22ª Companhia: um urso carregando um projétil.
Em 1947, após o fim da guerra, Wojtek foi doado para um zoológico na Escócia, sendo visitado frequentemente por antigos companheiros. Veio a falecer em 1963 aos 22 anos de idade.
1920+ e o tabuleiro de Scythe
Impossível jogar Scythe, mesmo sem conhecer toda essa história por trás e não ficar deslumbrado com a arte do jogo. As ilustrações, as cores, os tons, tudo combina com o clima que o jogo reproduz.
Toda a dinâmica da partida (você será atacado? Deve crescer ou se fortalecer? Seu vizinho vai ser hostil?) é complementada pela incrível arte. A história é contada nos mínimos detalhes, do tabuleiro central aos tabuleiros individuais, das cartas aos componentes.
O clima tenso e ao mesmo tempo noir que o jogo possui é causado principalmente pela parte gráfica, sem dúvidas. Andar com seu trabalhador no tabuleiro é como avançar pelos terrenos poloneses. Olhar para a ficha de sua facção é como abraçar toda aquela história. Os elementos futuristas não ficam fora de contexto. A presença dos mechas não parece algo forçado, mas natural, integrado à tudo.
A beleza do jogo, da arte de Jakub e a mecânica criada por Stegmaier se complementam sem sobressair uma a outra. É possível entender a guerra polaco-soviética do ponto de vista da obra 1920+.
O artista e o designer abraçaram ideias diversas, exploraram esse momento distópico com outras facções (fugindo do mote de países). Tudo isso para o bem da dinâmica e glória do jogo.
Considerações finais: Scythe é um jogo de um mundo fantástico
Melhoro o título: Scythe é um jogo fantástico, em um mundo fantástico. O jogo traz em seu tema diversas camadas a serem desvendadas, o designer nunca fez questão de escondê-las.
Primeiro, nós temos a guerra polaco-soviética, importantíssima na história da Europa e mais relevante ainda para a tradição Polonesa. Depois, surge um artista polonês que reimagina essa guerra, acrescentando de forma natural e limpa, robôs gigantes. Por fim, uma mecânica envolvente que se soma a tudo isso.
Dessa combinação surge um jogo vívido, tenso. Diversos caminhos podem te levar à vitória, mas todos passam por saber gerenciar seus recursos e suas fronteiras. Expandir demais pode significar perder terreno ao final. Ficar muito concentrado pode te levar a não alcançar objetivos. Todas estas decisões são alimentadas por um clima de tensão, de dúvida constante.
A arte não é apenas bonita, não é apenas criativa, ela é funcional, ela te conta a todo momento a história do jogo. O clima noir favorece intensamente a proposta de Scythe, sem parecer piegas, forçado. A interação final, no tabuleiro, é orgânica, a guerra que ali existe é palpável, quase real.
Se tudo isso gira na obra de Jakub Rozalski, o jogo nasceu da capacidade de Jamey Stegmaier em assimilar tudo isso e encaixar de uma maneira simples, direta. Scythe é uma aquisição obrigatória para qualquer colecionador neste hobby. Em partes por ser um jogo excelente e também por possuir uma das artes mais lindas e significativas para um board game.
O mundo de 1920+ logo estará disponível também em formato eletrônico, um jogo chamado Iron Harvest. Ele já está em desenvolvimento e possui lançamento previsto para 2019.
Se o sonho do artista era tornar o seu mundo real, ele conseguiu. Se o sonho do designer era criar um jogo memorável, ele conseguiu também.
Imersão BG
Espero que tenham gostado de mais uma coluna do Imersão BG. Deixe nos comentários a sua opinião para que possamos melhorar sempre.
Nos encontramos na próxima semana em uma guerra nas areias. Dessa vez, em batalhas de menor proporção, mas com muito mais crueldade. Um jogo construído com areia e sangue? Até lá! Abraços!